A pedagoga Deise Tomazin Barbosa |
Falar
de Emilio Figueira sem tecer uma rede de elogios sobre seu trabalho é tarefa impossível
de ser realizada. Grande mestre, brilhante doutor, amigo e companheiro desde a
nossa infância na AACD, faz com que pessoas que estejam ao seu redor sintam orgulho
em tê-lo como parceiro de luta.
Eclético
e muito perspicaz, Emilio Figueira impressiona com sua peculiaridade. Sua
sapiência se traduz em seus escritos e seu legado está marcado em suas obras
publicadas como “O Que é Educação Inclusiva”, “Conversando sobre Educação
Inclusiva com a Família”, ”Caminhando em Silêncio”, “Introdução à Psicologia e
Pessoas com Deficiência”, e mais de cinquenta títulos.
A
relação íntima com Deus e sua deficiência, fez com que o autor mantivesse o
foco de seus estudos voltado ao desenvolvimento de uma sociedade humanitária e
cristã. Não que fosse diferente se a deficiência não estivesse presente em sua
vida, mas talvez a plenitude de suas obras não seria tão lógica não fosse sua
trajetória humana.
Sua
deficiência fez com que passasse por momentos preconceituosos, porém, isso só o
tornou mais convicto e determinado a buscar soluções para o trato com as
pessoas com deficiência.
Dotado
de inteligência e capacidades que fogem ao nosso entendimento, Emílio sempre
demonstrou grande paixão pelos estudos mantendo seu foco nas investigações
históricas da pessoa com deficiência. Participar de alguns momentos formativos
ao seu lado me deixa a vontade para tecer algumas linhas sobre essa grandiosa
obra.
A
pesquisa se desenvolve em cinco partes, trazendo questões que tratam das
deficiências do antigo ao novo testamento. Interessante reconhecer a visão de
estudo que Emílio traz sobre a relação de castigo e pecado e do desenvolvimento
da pessoa com deficiência no catolicismo, percorrendo caminhos que chegam à inclusão
religiosa nos dias de hoje.
Tais questões intensificaram o estudo por pesquisa bibliográfica baseada em referencial teórico demonstrando práticas transformatórias da evolução do ser humano com registros que contextualizam as passagens bíblicas, enaltecendo e abominando a deficiência e o impacto que o mundo cristão demonstra em relação à cura, pecado e castigo quebrando a prepotência e arrogância da divindade sobre o homem e tudo mais que seja obscuro na visão histórica da passagem do deficiente pelo mundo cristão.
Encontra-se
nessa excelente obra, registros bíblicos de sacrifício e sacerdócio, impureza e
pecado, pureza e castidade, defeito e perfeição.
Partindo do pressuposto de que a linguagem do
evangelho é uma fonte de referência na pacificação entre as pessoas e entre os povos,
é possível se pensar na espiritualidade como um fator que promova a inclusão e
não a exclusão, abrindo uma questão fundamental entre as comunidades religiosas
que é a permissão da transformação de suas neuroses em direito à existência.
Várias são as releituras realizadas sobre as escrituras sagradas, porém os critérios para sua
interpretação são definidos por duas ciências: a Hermenêutica e a Exegese. Para
que tal interpretação se torne correta é preciso que se apliquem essas
“ferramentas” de forma consistente, diluindo os malefícios que uma má
interpretação bíblica pode causar: discriminação, exclusão, preconceito.
O preconceito é um juízo preconcebido, um
desconhecimento pejorativo de uma pessoa ou grupo social e a discriminação é um
comportamento de não aceitação. O
preconceito para com as pessoas com deficiência vai desde acreditar que
necessitam ser dependentes dos outros, são maus ajustados e infelizes, são
"marcados" e menos inteligentes, são improdutivos, merecem compaixão
e piedade, até acharem que estes estão sendo "punidos" por algum
pecado.
Se existe um lugar onde esse comportamento não deve
ser aceito é a igreja, pois esta não deve estar alienada da sociedade e é o
lugar onde a real prática dos princípios bíblicos como "Amar a Deus de
todo coração... amar ao próximo como a si mesmo..." (Marcos, 12:33) deve
ser exercida.
Ora, se a palavra de Deus deve estar ao alcance a
todas as pessoas e Jesus foi inclusivo
o tempo todo, constatação escrita no evangelho, por que então continuar
pensando que a deficiência é uma doença e não uma condição? Coisa rara
encontrar um deficiente que se lamente por causa da sua condição física. A
limitação física, o estigma, a discriminação ao longo do tempo torna as pessoas
resilientes. Sendo assim, natural se pensar que todos os cristãos são pessoas
inclusivas, ou pelo menos, deveriam ser, porém não é o que se vê na sociedade
contemporânea.
Na
obra Teologia da Inclusão, é
possível se encontrar o processo religioso das pessoas com deficiência e a
evolução da política inclusiva. A obra traz a interpretação bíblica através da
Hermenêutica com o método analítico sintético a partir de uma consciência
crítica dialética demonstrando as transformações reais da sociedade. Em termos
metodológicos, foi desenvolvida uma pesquisa documental das escrituras e
bibliográfica de textos que abordam o fenômeno apontado.
O capítulo de abertura – O Antigo Testamento: As Questões das Deficiências no Pré-Cristianismo mostra
a saga histórica do percurso do deficiente pela história da humanidade, fazendo
um estudo sobre os registros de Noé, mostrando a cegueira de Isaac, a luta de
Jacó, o desprezo de Lia e, pasmem com os problemas de fala de Moisés que afetaram
por tempos sua autoestima. Em meio atos severos, punição, maldição, encontram-se
pessoas que exercitam a justiça e a bondade de forma amorosa, sem se incomodar
com valores e preconceitos determinados por seu tempo, sem se omitir de tal
sentimento de nobreza.
No seu
capítulo – Milagres e uma Nova Visão da
Pessoa com Deficiência no Novo Testamento, Emílio Figueira analisa e debate
a visão transformadora de Paulo e a busca da cura através da fé. Estudiosos dos
usos e costumes dos povos afirmavam que a medicina contida nos Evangelhos e
mesmo nos Atos dos Apóstolos aceitavam três tipos de causas para as doenças e
para as muitas limitações e deficiências que afligiam os homens: o castigo
pelos pecados, a interferência dos maus espíritos e as forças más da natureza,
contra os quais o poder divino era o único remédio. Está em pauta, agora, a
identificação dos possíveis caminhos da cura dos deficientes: os milagres
realizados por Jesus.
De sua
pesquisa, o autor conclui que o melhor é se tomar a mensagem de fundo: não
estigmatizar e deixar de lado a questão da plausibilidade do fato.
O
autor em seu capítulo III – Castigo e
Pecado: Principais Conceitos Bíblicos sobre Pessoas com Deficiências e Mudanças
de Mentalidades deu destaque ao debate incansável sobre a deficiência como
fruto do pecado. A deficiência era atribuída a uma magia hostil ou à violação
de um tabu e era tarefa do sacerdote descobrir as causas e estabelecer a magia
certa para eliminar o mal. A causa podia ser interpretada por erro ou pecado
cometido pela pessoa contra a divindade e era exigida reparação adequada. A
pesquisa confirma que as ações e percepções praticadas de maneira incorreta,
desobediente, era considerada violação de mandamento divino, ou seja, pecado.
O
autor faz ainda realiza um estudo sobre a terminologia “Pecado”, nos mais
diversos segmentos: Judaico, Cristã, Católico, Protestante (evangélico), atribuindo
a deficiência, as doenças, as fatalidades como consequências diretas de pecados
cometidos, como se fossem castigo.
Referindo-se
a planejamento de estudo sobre as deficiências ao longo dos tempos, é preciso
manter o foco sobre as igrejas que lutam para manter a fé cristã, o que Emílio
Figueira faz brilhantemente em seu IV capítulo - O “Caminhar” da Pessoa com Deficiência dentro do Catolicismo. O
“castigo de Deus” era decorrente de sua ira, enviando sinais ao povo como os
problemas mentais e as malformações congênitas, o que na realidade, era
consequência de uma sociedade sem conhecimentos científicos e medicinais. A
falta de planejamento urbano abriu caminho para epidemias e doenças mais
graves. Mas a visão do povo voltada à ira celeste entendia a deficiência como
uma falta de capacidade para a vida, devendo ser excluído de tudo, pois não
poderiam realizar nada com dignidade.
Fechando
a Coletânea, o capítulo V - Caminhos
para a Inclusão Religiosa hoje - mostra a igualdade de oportunidade, até
mesmo na religião. O autor dá conta de resultados de sua pesquisa sobre a
passagem do deficiente nos atos religiosos indagando agora sobre outro problema
contemporâneo: as barreiras arquitetônicas dos templos religiosos.
No
espaço de inovações/resistências às mudanças propostas/impostas, o autor
rediscute o sentido de se manter pessoas com deficiências em nossos
círculos de amizade a fim de quebrar mitos e preconceitos. Mostra que, ao ressignificar os laços de
afetividade, paradigmas são quebrados permitindo que se possam ver as reais
habilidades e capacidades das pessoas com deficiência, refletindo mais sobre a
(re)construção de sua identidade nesse espaço de múltiplas tensões, e assim,
compreender melhor, sua vida pessoal.
Os
leitores que compartilham preocupações relacionadas aos grandes desafios da
inclusão, encontrarão na obra Teologia
da Inclusão, elementos significativos para a retomada e a discussão dos
problemas em pauta. O autor, por sua vez, disponibiliza sua ferramenta
investigativa e sua conclusão, abrindo-se ao debate, reequacionando as questões
e adiantando hipóteses fecundas, aptas a sustentar novas buscas e novos
projetos, de modo que a produção do conhecimento, nessa área, possa ter a
necessária continuidade em busca de uma qualificada consolidação.
Deise
Tomazin Barbosa
Licenciada
em Matemática e Pedagogia, Pós graduação lato sensu em Inteligência Multifocal
e Psicanálise da Educação, Educação Especial Áreas da Deficiência intelectual,
física, visual e auditiva (UNESP), Tecnologias da Informação e Comunicação
Acessíveis (UFRGS), Psicopedagogia e MBA em Gerenciamento de Projetos (FGV).
Mestre em Psicanálise e Educação Especial - UNESP. Aperfeiçoamento em
Atendimento Educacional Especializado, Libras, Braille e Sorobã. Tutora em
curso de Pós graduação no curso de AEE (UNESP) e Tecnologia Assistiva (UFRGS).
Assistente de Direção e Docente em Universidades públicas e particulares.
Assessora e Consultora Pedagógica. Atuou na AACD como pedagoga e na Secretaria
Municipal de São Paulo como professora itinerante de alunos com deficiência e
formadora.
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